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Como os 10 dígitos acabarão com a privacidade como a conhecemos.
Tanto habitantes da internet como moradores urbanos precisam admitir que a era do anonimato está chegando ao fim.
A população do mundo é de cerca de 7 bilhões de pessoas. Assim é preciso de apenas 10 dígitos para rotular cada ser humano do planeta como sendo único.
Esta simples observação aritmética oferece poderosos insights sobre os limites da privacidade. É algo que poderíamos chamar regra dos 10 dígitos: apenas 10 dígitos de informação pessoal distintiva são suficientes para identificá-lo inequivocamente. Eles são o suficiente para tirar fora o seu anonimato na internet ou chamar o seu nome enquanto você caminha pela rua. A regra dos 10 dígitos significa os nossos aparelhos eletrônicos crescem, e os bancos de dados incham, temos de aceitar que, na maioria das esferas da vida, vamos em breve estar vestindo nossos nomes na nossa testa.
Um estudo dos dados do censo de 1990 nos Estados Unidos revelaram que 87 por cento das pessoas eram singularmente identificáveis com apenas três peças de informação: os cinco dígitos do código postal, sexo e data de nascimento. Os surfistas da internet fornecem muito mas informações do que isso. Os
web sites podem identificar nossas localizações geográficas, modelo de computador, e tipo de navegador, e eles podem nos rastrear silenciosamente utilizando cookies. Sites bancários confirmam nossas identidades verificando que nossos log-ins acontecem em horas do dia determinadas.
Arquivos de bancos de dados carregam surpreendente quantidade de informação , mesmo quando especificamente anônimos por causa da privacidade. Investigadores da Universidade do Texas em Austin estudaram um conjunto de perfis de classificação de filmes de cerca de 500.000 subscritores anônimos do
Netflix.
Conhecendo um pouco sobre um assinante - digamos, de seis a oito preferências de filmes, o tipo de coisa que você pode postar em uma rede social - os pesquisadores descobriram que eles podiam selecionar o seu perfil anônimo do Netflix, se você tivesse um no conjunto. O estudo do Netflix mostra que o desanonimato dos 10 dígitos pode se esconder em lugares surpreendentes.
Nossos pertences físicos também podem nos trair por silenciosamente gritar dígitos traidores da identidade. Pequenos chips sem fio - muitas vezes chamados Identificação por Radio Frequencia (RFID) - residem em chaves de carro, cartões de crédito, passaportes, cartões de entrada de edifícios e passes de trânsito. Eles emitem números de série únicos.
Uma vez ligados aos nossos nomes - quando fazemos compras com cartão de crédito, por exemplo - esses microchips permitem sermos monitorados sem nosso conhecimento. Um livro popular inflama nossa imaginação com um título sensacional, "Spychips: Como as grandes corporações e o governo planejam rastrear cada movimento nosso com o RFID".
Mas microchips sem fio também destacam a futilidade da proteção do anonimato. Para começar, preocupações sobre o monitoramento com o RFID se perdem na floresta de árvores. Afinal, os telefones móveis são onipresentes e podem ser monitorados em distâncias muito mais longas do que os chips autônomos. Muitas pessoas têm receptores
GPS nos seus telefones celulares e estão assinando serviços de localização, voluntariamente (se seletivamente) divulgando seus movimentos. Não muito sentido em esconder os números de série dos chips quando seu celular delata você.
Muitos cientistas (incluindo eu) desenvolveram técnicas antirrastreamento para celulares e microchips. Invés de números de série fixos, dispositivos sem fio podem usar pseudônimos variáveis, como placas rotativas de carros de espiões nos filmes. O problema é que as placas podem mudar, mas o carro parece sempre o mesmo. Neste sentido, os chips são como os carros.
Cientistas da
ETH em Zurique mostraram recentemente como identificar microchips exclusivamente através de ondas de rádio - e, consequentemente, ver através do disfarce de pseudônimos. Os experimentos deles mostraram que, graças a variações de fabricação, microchips, laptops, cartões
Wi-Fi e outros dispositivos não podem evitar a emissão de "impressões digitais" físicas - essencialmente números de série dados por Deus. Mais dígitos que irradiamos inconscientemente.
No final, nós provavelmente não teremos necessidade de fazer nada para ver todas as nossas identidades reveladas em lugares públicos. Já existem milhares de câmeras de vigilância em espaços públicos nos Estados Unidos (e no Brasil também).
O software de reconhecimento facial ainda está bruto hoje, mas vai melhorar. Câmeras acabarão por reconhecer rostos, assim como as pessoas o fazem. Ao contrário de pessoas, elas terão o apoio de bancos de dados contendo milhares de rostos - ou os headshots que tantos de nós já postamos na internet.
Felizmente, apesar da proliferação das fontes de 10 dígitos que são fatais para o anonimato na internet e na calçada, ainda podemos impedir o mundo do filme
Minority Report. Há muitas facetas defensáveis da privacidade além da identidade. Mesmo se nossos nomes forem exibidos diante de todos, ainda temos a oportunidade de salvaguardar a saúde e os dados financeiros, as preferências de entretenimento, o histórico de compras e as interações sociais.
Nesta batalha roubo de identidade é um desafio fundamental para tecnólogos e políticos. A única forma de prevenir o acesso não autorizado aos dados pessoais é assegurar que, mesmo quando os criminosos aprenderem os componentes da sua identidade digital, eles não podem roubar. Forte autenticação será necessária para preencher a lacuna da desagregação das identidades.
Talvez o mundo seja mais favorável quando propagandas no interior das lojas lhe cumprimentarem pessoalmente, criminosos usarem crachás dizendo "alô, meu é", e as pessoas que você encontra em festas já tiverem sua biografia em mãos. Facebook, twitter e os onipresentes blogs já pressagiam uma sociedade de exibicionismo e voyeurismo. Mas as tecnologias que nos levam a um mundo de onisciência também nos trazer um passo para trás.
Durante anos as pessoas aspiravam escapar das pequenas cidades para as grandes cidades, para um recomeço com uma identidade sem história. A internet ofereceu semelhante horizonte de liberdade. Mas a sociedade da cidade pequena nos trará de volta nas suas garras, por bem ou por mal.
Ari Juels - cientista chefe e diretor da
RSA Laboratories, e autor do thriller de criptografia "Tetraktys".