Image via WikipediaCIA investiga a mente de líderes globais
SÃO PAULO - Usando métodos científicos, a CIA faz avaliações psicológicas de líderes como Khadafi e Chavez e tira conclusões que podem afetar a política global.
Ele é um narcisista delirante, que lutará até o último suspiro. Ou um showman impulsivo, que pulará no próximo voo quando encurralado. Ou talvez um psicopata, um estrategista frio e calculista – louco como uma raposa do deserto.
O fim de jogo na Líbia parece depender dos instintos de Muammar Kadhafi e qualquer compreensão desses instintos seria incrivelmente valiosa aos políticos aliados. Jornalistas formaram suas impressões a partir de histórias ou de suas ações no passado; outros usaram suas recentes afirmações sobre a al-Qaeda e o presidente Barack Obama.
Contudo, ao menos um grupo tentou construir um perfil baseado em métodos científicos e suas conclusões são as mais prováveis de afetar a política dos EUA. Durante décadas, analistas da CIA e do Departamento de Defesa americano reuniram avaliações psicológicas de líderes hostis como Kadhafi, Kim Jong-Il, da Coreia do Norte, e o presidente Hugo Chávez, da Venezuela – assim como de seus aliados, potenciais sucessores e outras autoridades de destaque. Obviamente, muitos governos estrangeiros fazem o mesmo.
Diplomatas, estrategistas militares e até mesmo presidentes usaram esses perfis para tomar decisões – em alguns casos para seu benefício, em outros para prejuízo.
O perfil político “talvez seja mais importante em casos onde há um líder que domina a sociedade, agindo praticamente sem restrições”, disse o Dr. Jerrold Post, psiquiatra que dirige o programa de psicologia política da Universidade George Washington e fundou o setor da CIA que conduz análises comportamentais. “E esse tem sido o caso aqui, com Kadhafi e a Líbia”.
Os dossiês oficiais são confidenciais, mas os métodos são bem conhecidos.
Psicólogos civis desenvolveram muitas das técnicas, baseados principalmente em informações públicas sobre dado líder: discursos, declarações, fatos biográficos, comportamento observável. As previsões resultantes sugerem que a “definição de perfil à distância”, como a técnica é conhecida, ainda parece mais uma arte do que uma ciência.
Assim, numa crise como a da Líbia, é crucial conhecer os dois lados dessas avaliações: seu valor potencial e as limitações reais.
“Definidores de perfil são melhores em prever comportamentos do que um chimpanzé com os olhos vendados, claro, mas a diferença não é tão grande quanto se esperaria”, afirmou Philip Tetlock, psicólogo da Wharton School, na Universidade da Pensilvânia, e autor de “Expert Political Judgment: How Good Is It? How Can We Know?” (Princeton University, 2006). Ele mesmo já traçou alguns perfis. “Não existe ingrediente secreto e minha impressão é que muitas vezes o processo pode ser apressado”, quando algum líder subitamente se torna uma prioridade.
O método mais antigo é baseado em estudos de casos clínicos, as biografias psicológicas criadas por terapeutas ao fazer um diagnóstico, citando influências que remetem até a infância.
O primeiro registro encontrado, encomendado no início da década de 1940 pelo Gabinete de Serviços Estratégicos, agência antecessora da CIA, foi sobre Adolf Hitler; no documento, o especialista em personalidades Henry A. Murray, de Harvard, especulava livremente sobre a “infinita auto-humilhação”, o “pânico homossexual” e as tendências edipianas do Führer.
Analistas ainda usam essa abordagem clínica, mas agora com um embasamento muito mais sólido em fatos biográficos do que em especulações freudianas ou opiniões pessoais. Num perfil de Kadhafi para a revista “Foreign Policy”, Post conclui que o ditador, embora geralmente racional, é inclinado a pensamentos delirantes quando está sob pressão – “e neste momento, ele se encontra sob a maior pressão que já sentiu desde que assumiu a liderança da Líbia”.
Em seu íntimo, Kadhafi enxerga a si mesmo como o último forasteiro, o guerreiro muçulmano enfrentando probabilidades impossíveis, segundo Post, e estaria “realmente preparado para morrer em chamas”.
Caracterizações desse tipo foram inestimáveis no passado. Em preparação para as negociações de paz entre Israel e Egito, em Camp David, a CIA providenciou ao presidente Jimmy Carter perfis dos líderes de ambas as nações, Menachem Begin e Anwar Sadat. Em sua autobiografia “Keeping Faith”, Carter afirmou que os perfis lhe forneceram percepções cruciais, ajudando a assinar o acordo de paz.
O documento sobre o presidente do Egito, “O Complexo de Prêmio Nobel de Sadat”, apontava que Sadat “vê a si mesmo como um grande estrategista e fará concessões táticas se for convencido de que seus objetivos gerais serão atingidos”. O relatório acrescentava que “sua autoconfiança lhe permitiu tomar iniciativas ousadas, atropelando frequentemente as objeções de seus conselheiros”.
Mas as avaliações também podem ser enganosas, até mesmo constrangedoras.
Perfis de Saddam Hussein, circulando no início da década de 1990, sugeriam que ele era basicamente um pragmático que cederia sob pressão. E em 1993, a CIA supostamente entregou um dossiê a estrategistas alegando que o líder haitiano, Jean-Bertrand Aristide, teria um histórico de doenças mentais, incluindo psicose maníaco-depressiva.
Aristide negou furiosamente, e o relatório foi rapidamente desacreditado.
Numa revisão de 1994 sobre o episódio, na revista “Foreign Policy”, Thomas Omestad escreveu que o perfil era “raso em fatos e profundo em especulações; os dados estavam mais próximos de um assassinato de personagem do que de uma análise”.
Especialistas em inteligência aprenderam a limitar suas apostas ao longo dos anos, complementando histórias de caso com técnicas de “análise de conteúdo” – que procuravam padrões nos comentários e textos de um líder.
Por exemplo, um software desenvolvido por uma pesquisadora da Universidade de Syracuse, Margaret Hermann, avalia a frequência relativa de certas categorias de palavras (como “eu”, “meu”, “a mim”) em entrevistas, discursos e outras fontes, vinculando os resultados a traços de liderança.
Uma técnica usada por David G. Winter, professor de psicologia da Universidade de Michigan, utiliza fontes similares para julgar os motivos de líderes, em especial sua necessidade por poder, conquistas e afiliação. A frase “Nós certamente podemos varrê-los para fora” reflete uma forte orientação pelo poder; o comentário “Após o jantar, nos sentamos todos juntos, conversando e rindo” indica afiliação.
“Combine alto poder com alta afiliação e a pessoa tende ao diálogo. Alto poder e baixa afiliação sugerem agressividade”, afirmou Winter, que já traçou perfis dos presidentes Richard Nixon e Bill Clinton, entre muitos outros. “Essa é a ideia, embora seja óbvio que nenhuma previsão é certa”.
Pelo menos um grupo de definidores de perfis políticos incorporou essa exata falha – a incerteza – em suas previsões. Peter Suedfeld, psicólogo da Universidade da Columbia Britânica que trabalhou com Tetlock, analisa as palavras do líder para classificar uma qualidade chamada de complexidade integrativa. Essa é uma medida do grau de certeza das pessoas, da segurança em seus próprios julgamentos, se elas consideram qualquer ponto de vista contrário.
Numa série de estudos, os pesquisadores compararam as comunicações que levaram à deflagração da Primeira Guerra Mundial e da Guerra da Coreia com aquelas que levaram a uma solução pacífica, como a crise dos mísseis cubanos de 1962. Quanto maior o nível de incerteza reconhecida, concluiu Suedfeld, menor a probabilidade de o líder optar pela guerra.
Ele ainda não analisou os comentários de Kadhafi, mas não é preciso ser nenhum especialista para observar que o líder líbio parece muito seguro, mesmo que nem sempre coerente.
O que falta a toda essa análise e moldagem de números é qualquer ideia sobre quais métodos são mais úteis, e quando. Numa detalhada revisão de análises de inteligência publicada neste mês, um destacado painel de cientistas sociais concordou completamente: a definição de perfis psicológicos, assim como outros métodos usados por analistas de inteligência para prever comportamentos, está precisando urgentemente de testes mais rigorosos.
E de novas ideias. Numa ação incomum, o Gabinete do Diretor Nacional de Inteligência, que encomendou o estudo, patrocinou um tipo de competição ( http://goodjudgment.info), convidando pessoas a testar suas próprias técnicas de previsão – e buscando aprimorar as análises de inteligência.
Frente ao desafio de prever o que líderes como Kadhafi são capazes de fazer, pense nisso como um pedido de ajuda.
Fonte: info.abril.com.br/notícias
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