terça-feira, 13 de setembro de 2011

Repressão política 2.0

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Repressão política 2.0

Por Evgeny Morozov em 05/09/2011

Reproduzido do New York Times, 2/9/2011; intertítulos do OI; tradução de Jô Amado

Agentes da Stasi, polícia política da ex-Alemanha Oriental, nem poderiam sonhar com o sofisticado equipamento eletrônico que sustentava o aparelho de espionagem do coronel Muamar Kadaki revelado no início desta semana pelo governo de transição da Líbia. 

Monitoramento de mensagens de textos, e-mails e chats online – comunicação alguma parecia fora do alcance do excêntrico coronel.

O que é ainda mais surpreendente é onde o coronel Kadafi obteve seu equipamento de espionagem: empresas de software e tecnologia da França, da África do Sul e de outros países. A empresa norte-americana Narus, pertencente à Boeing, teve reuniões com o pessoal do coronel Kadafi ao mesmo tempo que começavam a ocorrer protestos, mas recuou e não fechou o negócio. Como a Narus já fornecera anteriormente tecnologia semelhante ao Egito e à Arábia Saudita, provavelmente foi uma questão de relações públicas, e não de ética empresarial.

Em meio à louvação aos recentes acontecimentos no Oriente Médio, é fácil esquecer os aspectos mais repressivos do uso da tecnologia. 

Além dos relatos cor-de-rosa comemorando a forma pela qual o Facebook e o Twitter propiciaram movimentos libertários pelo mundo afora, precisamos nos confrontar com algo mais sinistro: como empresas gananciosas, incentivadas por governos ocidentais por necessidade de vigilância doméstica, ajudaram a reprimi-los.

Programas para atender às necessidades de censura

A Líbia foi apenas o último lugar em que surgiu a tecnologia de vigilância ocidental. Ativistas de direitos humanos detidos – e depois, soltos – no Bahrein relataram que lhes foram apresentadas transcrições de suas próprias mensagens de textos – uma capacidade que o governo daquele país adquiriu através de equipamento comprado à Siemens, o gigante industrial da Alemanha, e mantido pela Nokia Siemens Networks, com sede na Finlândia, e pela Trovicor, outra empresa alemã.

No início deste ano, após invadirem a sede da polícia secreta, ativistas egípcios descobriram que o governo de Mubarak vinha usando uma versão experimental de uma ferramenta – desenvolvida pela empresa britânica Gamma International – que permitia escutar conversas no Skype, que se acreditava estar a salvo de grampos.

E não se trata apenas de tecnologia banal; algumas empresas ocidentais fornecem a ditadores soluções ao gosto do cliente para bloquear websites ofensivos. Um relatório de marçodo OpenNet Initiative, um grupo acadêmico que monitora a censura na internet, revelou que a empresa Netsweeper, com sede no Canadá, junto com as norte-americanas Websense e McAfee (agora pertencente à Intel), desenvolveu programas para atender às necessidades de censura de governos no Oriente Médio e no Norte da África – no caso da Websense, apesar de suas promessas de não fornecer tecnologia a governos repressivos.

Espionagem eletrônica com apoio americano

Infelizmente, o governo norte-americano, o defensor mais estridente da “liberdade na internet”, tem pouco a dizer sobre tal cumplicidade. 

Embora a secretária de Estado Hillary Rodham Clinton fale frequentemente em público sobre o assunto, ainda terá que explicar como empresas de seu país boicotam os objetivos que diz defender. Acrescentando insulto ao prejuízo, no mês de dezembro o Departamento de Estado concedeu à empresa Cisco – que forneceu acessórios para a construção do chamado Projeto Escudo Dourado na China – um prêmio em reconhecimento à sua “boa cidadania colaborativa”.

Uma tal reticência pode não ser totalmente acidental, uma vez que muitas destas ferramentas foram inicialmente desenvolvidas para agências de segurança e de inteligência ocidentais. Os legisladores das políticas ocidentais, portanto, estão numa situação delicada. Por um lado, é difícil reinar nas próprias empresas que os alimentaram; também é difícil resistir aos argumentos de regimes repressivos – de que precisam dessas tecnologias para monitorar extremistas. Por outro lado, fica cada vez mais difícil ignorar o fato de que os extremistas não são os únicos a serem vigiados.

A resposta óbvia é banir a exportação dessas tecnologias para governos repressivos. Mas enquanto os Estados ocidentais continuarem as tecnologias por si próprios, as sanções não eliminarão o problema por completo – a oferta sempre arrumará um jeito de atender à demanda. Além do mais, os ditadores que gostam de lutar contra o extremismo ainda são bem-vindos em Washington: é fácil supor que boa parte da espionagem eletrônica no Egito de Hosni Mubarak foi feita com o apoio tácito de seus aliados norte-americanos.

Quantos ativistas confiariam em governos ocidentais?

O que precisamos é o reconhecimento de que a nossa confiança em tecnologia de vigilância doméstica – mesmo que verificada pelo sistema legal – está, inadvertidamente, boicotando a liberdade em lugares onde o sistema legal proporciona pouca ou nenhuma proteção. Esse reconhecimento, por sua vez, deveria incentivar restrições mais rígidas no setor da tecnologia de vigilância doméstica, inclusive, uma reavaliação de até que ponto é realmente necessária tal tecnologia em nosso mundo cada vez carente de privacidade.

À medida que países como Bielorus, Irã e Mianmar digerem as lições da primavera árabe, sua demanda por tecnologia de monitoramento aumentará. Fora de controle, as ferramentas de vigilância ocidentais poderiam boicotar a agenda de “liberdade de internet” da mesma forma que as exportações de armas boicotam as iniciativas de paz ocidentais. Confrontados com informação coletada através do uso de tecnologia ocidental, quantos ativistas iriam voltar a confiar nos pronunciamentos de governos ocidentais?

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[Evgeny Morozov é professor visitante da Universidade Stanford e autor de The Net Delusion: The Dark Side of Internet Freedom]

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