domingo, 20 de junho de 2010

O Big Brother estende seus tentáculos e desperta questões éticas

brand new cctv camera on a intersection in Cen...Image via Wikipedia

O Big Brother estende seus tentáculos e desperta questões éticas

Philip Hunter

Faz quatro anos que o então comissário da Informação da Inglaterra, Richard Thomas, alertou que o país estava se transformando, quase sem perceber, numa sociedade de vigilância. Ele salientou o exemplo da televisão de circuito fechado (CCTV), na qual a Inglaterra é líder mundial com 10% de todas as câmeras do mundo (cerca de uma para cada 12 pessoas) cobrindo grandes trechos de suas cidades. Os inúmeros casos reportados pela intrusão cada vez maior da CCTV na existência cotidiana faz com que a minha própria experiência, no dia de Natal de 2008, não seja tão excepcional.

Eu havia acabado de cruzar a ferrovia local através de uma passarela pública, o que me fez passar rapidamente pela plataforma do trem, quando uma voz irrompeu nos alto-falantes da estação: “O que você está fazendo aqui? Não há nenhum trem hoje.” “Estou apenas passando”, murmurei (imaginei que houvesse algum microfone em algum lugar, embora eu não pudesse ver nenhum). Hesitante, a pessoa na sala de controle central a quilômetros de distância me concedeu o direito de continuar andando. Claramente o sistema de monitoramento havia sido programado para considerar qualquer presença na plataforma da estação como suspeita naquele dia.

As gravações das CCTV costumavam ser inúteis por causa de sua qualidade muito ruim e por exigirem horas para serem analisadas. A polícia com frequência era incapaz de prender criminosos mesmo quando eles eram pegos, supostamente em flagrante, pelas câmeras. Mas a nova tecnologia permite detectar os incidentes quando eles ocorrem, ou até antes.

Pesquisadores da Universidade de Reading desenvolveram um software de monitoramento para as CCTV capaz de identificar, por exemplo, um pacote abandonado, e seguir a pessoa que o deixou enquanto ela ainda está ao alcance da câmera. Usando uma tecnologia que foi desenvolvida há 20 anos para os alarmes de roubo, esses sistemas estão programados para distinguir entre diferentes tipos de movimento, e identificar aqueles considerados incomuns – como depositar um objeto que fica num local fixo por um determinado tempo, ou movimentos como visitas frequentes ao banheiro de um avião. O último poderia ter sido útil para detectar o homem que queria explodir o voo com destino a Detroit em dezembro passado antes que ele tentasse detonar sua bomba.

Um sistema como este é capaz de muitas coisas úteis, como acionar o alarme quando um carro estacionado está sendo arrombado, ou quando uma pessoa idosa que mora sozinha sofre uma queda. E ele também pode ter um papel importante no policiamento dos Jogos Olímpicos de Londres em 2012, fornecendo uma ferramenta poderosa para a tarefa, que de outra forma seria impossível, de monitorar áreas públicas à procura de ameaças de ataque terrorista.

Enquanto isso, outra inovação promete reforçar a vigilância inteligente das CCTV, gerando imagens de suspeitos a partir de perfis de DNA retirados de amostras deixadas nas cenas dos crimes. Essas imagens poderiam, a princípio, ser usadas para selecionar as imagens das CCTV enquanto elas são feitas em tempo real, ou para buscar suspeitos em imagens já gravadas e talvez até reconstituir ações que desvendariam crimes.

Pesquisadores da Universidade do Arizona descobriram que traços identificadores como a cor do cabelo, pele e olhos são determinados por variantes de alguns genes fundamentais, e todos podem ser descobertos por análises de amostras de DNA. A partir disso, eles acreditam que será possível construir um perfil que pode ser mais acurado do que o do E-FIT, um sistema de composição facial computadorizado que gera fotos a partir dos relatos de testemunhas oculares.

Embora ainda leve um tempo para que essas descobertas sejam colocadas em prática, seu potencial investigativo é evidente. Assim como os perigos de uma suspeita infundada. As primeiras versões da tecnologia certamente precisarão ser aperfeiçoadas, talvez levando mais alguns genes em consideração. Mesmo assim, as variações causadas pelo ambiente ou estilo de vida, como dieta e exposição ao sol, podem fazer com que as imagens não sejam tão úteis. E em que ponto a semelhança gerada pelo DNA se tornará acurada o suficiente para ser admitida em tribunal? Da mesma forma, a tecnologia que identifica comportamentos suspeitos criará uma grande margem para “falsos positivos”, uma vez que muitas pessoas podem se comportar de forma que o sistema considerará suspeita, por exemplo quanto estiverem bêbadas, ou quando estiverem simplesmente indecisas ou, no meu caso, quando parecem perambular num horário e local em que não deveriam estar.

O sistema da Universidade de Realing poderia ter detectado o terrorista de Detroit. Mas ele ainda precisa passar por um teste em grande escala que mostrará se é capaz de evitar inúmeros (e destrutivos) exemplos de comportamento “suspeito” embora inocente. As experiências com softwares mais antigos e menos sofisticados mostraram que a intervenção humana ainda é necessária para eliminar os “falsos positivos” e manter o foco nas atividades criminosas reais.

Também há o problema de encontrar o equilíbrio entre a vigilância sofisticada e as preocupações quanto às liberdades civis. O novo sistema de CCTV oferece ainda mais espaço para a intrusão em nossas vidas privadas – desde os governos que podem monitorar dissidentes políticos até pessoas que podem “hackear” o sistema para espionar parceiros suspeitos de traição.

Mas não há muito motivo para tentar proibir a tecnologia propriamente dita, uma vez que, assim que for lançada, ela será usada. A resposta deverá ser uma regulamentação rígida quanto ao seu uso e disponibilidade. Sob vários aspectos, isso não é diferente da situação dos atuais sistemas de identificação, como as impressões digitais e as bases de dados de registro de veículos. A diferença é que o espaço para intrusão se torna mais amplo, e precisamos tomar cada vez mais cuidado em relação a como e por que essa vigilância é feita – e por quem.

Tradução: Eloise De Vylder

http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/prospect/2010/05/31/o-big-brother-estende-seus-tentaculos-e-desperta-questoes-eticas.jhtm

Nota: As câmeras de vigilância espalham-se por todas as grandes cidades do mundo, as pessoas nem as percebem mais, tornaram-se comuns. Mas a verdade é que a cada dia temos menos privacidade.



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