Itália: a ilusão tecnocrática
Escrito por Nivaldo Cordeiro
Esse
é o grande pecado da elite europeia, que vive a ilusão de que um
governo transnacional – eventualmente um governo mundial – seja a
solução para a crise.
Não é. Governos transnacionais sacrificam a
liberdade e a soberania.
Ontem eu vi o programa Manhattan Connection e o diálogo entre Ricardo Amorim e Diogo Mainardi foi ilustrativo e esclarecedor. O argumento de Ricardo é o meu:
se políticos não deram solução para a crise
em curso não serão tecnocratas desprovidos de voto que terão a
solução. Diogo Mainardi deixou de ser um analista político para
ser um torcedor apaixonado. É pura ilusão achar que uma
personalidade tem a chave para a solução. autoengano terrível.
Eu
testemunhei momento assim no Brasil quando o presidente João
Figueiredo tirou o ministro Delfim Netto da Agricultura e o pôs no
Planejamento. A mística de “milagreiro” de Delfim encantava a
todos e gerou uma expectativa que não tinha como ser cumprida. A
crise é maior do que seus condutores e exige sacrifício.
Intuitivamente os que serão chamados a se sacrificar prendem-se
irracionalmente ao fio de esperança sobre a ação de uma pessoa que
não tem como gerar atalhos. Os sacrificados serão sacrificados do
mesmo modo. Delfim Netto acabou por ser o anti-milagreiro, o algoz de
toda gente.
A
conversa entre Ricardo Amorim e Diogo Mainardi girou em torno do novo
primeiro-ministro italiano Mario Monti. Político que jamais recebeu
votos, Monti é um tecnocrata completo, apoiado pela burocracia de
Bruxelas Esse apoio ajuda, mas pode também atrapalhar, pois o novo
primeiro-ministro poderá ser incentivado a fazer os profundos cortes
que a Itália terá que fazer nas suas despesas em velocidade mais
acelerada. Será no momento dos cortes que a fraqueza congênita de
Mario Monti aparecerá a todos: sua não legitimação nas urnas.
Toda ação tecnocrática tende a ignorar as sutilezas do processo
democrático e atropelar o real com sua racionalidade fria e pseudo.
Ocorre que a racionalidade não submete o real. Bem vimos o que tem
havido na Grécia. Os perdedores farão barulho e se rebelarão. A
cada anúncio de cortes teremos sucessivas rebeliões dos perdedores.
Melhor
que a Itália tenha escolhido um nome de consenso com rapidez e que
este tenha o apoio internacional necessário. Mas não se pode ter
ilusão. A fraqueza do novo governo italiano é mais do que evidente.
Na agudização da crise veremos dramas dolorosos. Porque esta crise
não é circunstancial e nem de fácil resolução. É uma grande
crise, a exigir sacrifícios equivalentes àqueles de tempos de
guerra. Será um ajuste geracional, a sacrificar aposentados,
funcionários públicos e pagadores de impostos. Teremos a
oportunidade de ver a economia política em estágio laboratorial,
como em momentos fundadores. A social-democracia morreu e o novo
ainda não nasceu. A própria elite não se preparou para a
transição.
Esse é
o grande pecado da elite europeia, que vive a ilusão de que um
governo transnacional – eventualmente um governo mundial – seja a
solução para a crise.
Não é. Governos transnacionais sacrificam a
liberdade e a soberania. Terá contra si tenaz resistência. É isso
que veremos, a elite tecnocrática remando para alienar a capacidade
decisória do Estado italiano e sua população não reconhecendo
nela legitimidade para entregar a estrangeiros o poder deliberativo
que é inerente aos povos livres. É esse o embate que a guarda a
Itália.
Fonte:
www.midiasemmascara.com
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