Projeto visa criar padrões internacionais mais rigorosos para combater bens falsificados e a pirataria virtual
Caio Carvalho
O ano mal começou e já podemos sentir um pouco do que ainda está por vir nos próximos meses. Desde o início de janeiro, a internet foi tomada por uma onda de protestos contra o Stop Online Piracy Act (SOPA) e Protect IP Act (PIPA), em pauta no congresso americano até meados de janeiro, quando foram paralisados (ou mortos).
Após as constantes pressões do público, a decisão para impedir que o projeto continuasse, na teoria, partiu do próprio criador, Lamar Smith, que desistiu da causa "até que haja um amplo acordo sobre uma solução".
Contudo, uma ameaça ainda maior já pode estar em andamento, e talvez até mais perigosa que o SOPA para as liberdades de internet: Anti-Counterfeiting Trade Agreement, ou ACTA (Acordo Comercial Anticontrafacção, para o português). Pelo menos é isso o que afirma Darrell Issa, representante político do estado da Califórnia.
Segundo entrevista para o Fórum Mundial de Economia, na Suíça, "apesar de não mudar as leis já existentes, [o ACTA] é mais perigoso do que o SOPA pois, uma vez implementado, vai criar um sistema de aplicação totalmente novo e atar as mãos do Congresso americano caso queiram desfazê-lo no futuro".
O que é o ACTA?
Com as mesmas prerrogativas do projeto americano SOPA, o ACTA é um tratado global mais abrangente que visa normatizar a proteção de direitos autorais e propriedade intelectual entre os países participantes, ou seja, criar determinados padrões internacionais para combater bens falsificados e a pirataria virtual. Além disso, seu objetivo inclui penas para quem for acusado de "contrabando" online, como restrições ao acesso à internet, por exemplo, e também se expande para a falsificação de medicamentos e produtos de grife.
O acordo ainda sofre críticas porque a maior parte das negociações é feita secretamente e por estar sob suspeitas de beneficiar as grandes corporações, ao mesmo tempo em que fecha o cerco à liberdade dos usuários da web ao rastrear conexões e implantar filtros de navegação. Embora não esteja claro, Darrell Issa acredita que muitas coisas no SOPA são basicamente implementadas no ACTA.
Com negociações iniciadas formalmente em 2008, a construção do projeto foi conduzida em segredo até 2009, quando o Wikileaks revelou ao público a existência dos arquivos confidenciais. Em 2011, o tratado foi aberto para assinaturas e foi prontamente reconhecido pelos países que participaram das reuniões - com exceção da União Europeia (UE). Meses depois, Austrália, Coreia do Sul, Marrocos, Nova Zelândia e Cingapura também aderiram ao protocolo.
Esta semana, o ACTA foi assinado por 22 estados membros da UE, em Tóquio, mas só deve ser efetivamente colocado em prática no território europeu após a aprovação do parlamento, que deve acontecer em junho deste ano. Agora, o projeto já tem um número significativo de nações apoiadoras, tais como Polônia, França, Itália, Japão, Singapura, Suíça, e, claro, os Estados Unidos (que assinou a petição no ano passado). Todas ainda têm tentado restringir o quanto puderem o acesso generalizado de seus cidadãos aos documentos que servem de base à negociação do projeto.
O que pode mudar com o ACTA?
Mesmo sem saber sobre a versão final do ACTA, o que se sabe é que seus objetivos são similares ao SOPA, com a diferença de que será muito mais abrangente e seus mecanismos de implementação e punição são ainda mais rigorosos para os que descumprirem as leis.
Uma dessas implementações prevê que o acordo transforme servidores de internet em vigilantes da rede. Basicamente, eles serão obrigados a fornecer dados privados de usuários suspeitos para as indústrias detentoras de direitos autorais. Neste caso, o detentor terá de apresentar justificativas razoáveis que mostrem e comprovem a infração. O problema é que o ACTA não deixa claro qual e como seriam os motivos para justificar o crime, trazendo, então, implicações diretas para a privacidade virtual.
Os ISPs norte-americanos já estão habituados a um sistema parecido, que obriga os intermediários técnicos, como os fornecedores de acesso à internet, a remover todos os conteúdos ilícitos sempre que receberem uma notificação dos detentores de direitos, caso não desejem ser processados.
Apesar das pressões das editoras discográficas, até o momento os ISPs norte-americanos não têm cooperado, e é justamente isso o que a ACTA pretende mudar: além de fazer essa regra de caráter global, os ISPs poderão passar a ser obrigados a filtrar ou bloquear conteúdos protegidos por direitos de autor. Isso já acontece na Coreia do Sul, onde a subsidiária do Google optou por impedir todos os uploads de vídeos e comentários.
Por fim, o tratado reforça ainda mais a proteção concedida às medidas técnicas de segurança, mais conhecidas como DRM, a ponto de prever a aplicação de leis civis e criminais a quem contornar ou distribuir ferramentas que driblem essas tecnologias anticópia. Além disso, podem ser implantadas leis alfandegárias, o que deve significar a fiscalização e apreensão de bens como notebooks e mp3 players. Para isso, apenas a suspeita de que tais itens violam direitos autorais já seria suficiente para condenar um culpado.
Manifestações
Enquanto o projeto segue em andamento, o número de entidades e figuras políticas que se posicionam contra a aplicação efetiva do tratado aumenta cada vez mais. A deputada holandesa Marietje Schaake, que participa do parlamento europeu, declarou em nota oficial a preocupação com a falta de transparência com a qual o acordo foi negociado, além dos impactos reais que ele terá na liberdade de expressão na internet.
Já os franceses do Le Quadrature du Net - uma ONG que alerta governos e a sociedade sobre projetos que ameaçam liberdades civis na web - veem a assinatura do ACTA pela UE como uma armadilha para a democracia. Nem mesmo o temido grupo de hackers Anonymous ficou de fora dos críticos. Em postagens recentes no Twitter, eles deixam clara a posição contrária ao acordo, e promete retaliações.
O público que mais tem protestado diante do tratado são os poloneses que, desde o início desta semana, invadiram as ruas contra a participação da Polônia no projeto. Em Varsóvia, os manifestantes ocuparam a frente do gabinete da União Europeia, onde, com adesivos colados na boca, cartazes com dizeres "Pare ACTA" e máscara de Guy Fawkes, se declararam contra a entrada do ACTA no país.
Fonte: OlharDigital
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