sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

A Europa em crise

Unión EuropeaImage by montuno via Flickr

A Europa em crise

Por Peter Schwarz
Global Research, 14/01/10

No começo da última década, em março de 2000, os chefes de estado da União Europeia anunciaram a Estratégia de Lisboa. Seu objetivo, até 2010, era fazer a Europa "a mais competitiva e dinâmica economia baseada em conhecimento do mundo, capaz de crescimento econômico sustentável com mais e melhores empregos e maior coesão social." Isso criaria "as condições de pleno emprego e o fortalecimento da coesão regional na União Europeia."

Enquanto começa a segunda década do século 21, as aspirações apresentadas na capital portuguesa se evaporaram. Em vez de pleno emprego, a Europa está dominada pelo desemprego em massa; em vez de crescimento econômico, há estagnação; em vez de coesão, há discórdia. Até mesmo a moeda comum, a fundação dos grandiosos planos de Lisboa, está em agudo perigo.

A Estratégia de Lisboa foi a expressão de ilusões frequentes de que a Europa, por meio do alargamento da União Europeia e de profunda integração, poderia alcançar ou até superar os Estados Unidos como uma grande potência. Isso aconteceria inteiramente como um resultado do poder econômico da Europa unida, sem as tensões sociais e políticas e os conflitos militares do período anterior.

Estas ilusões encontraram sua mais clara expressão no discurso do então Ministro do Exterior alemão Joschka Fischer (Partido Verde) em maio de 2000 na Universidade Humboldt em Berlim. Fischer pediu pela transformação da União Europeia de uma aliança vaga de estados em uma federação.

Através de "uma integração estreita de seus interesses vitais e a transferência dos direitos de soberania nacional para instituições supranacionais europeias," disse Fischer, os estados europeus assinariam sua rejeição a conflitos nacionais que tinham separado o continente antes de 1945. Somente desta forma a Europa seria capaz de "jogar seu devido papel na economia global e na competição política."

Desde então, a ideia de Fischer de que a Europa seria harmoniosamente organizada em bases capitalistas tem se provado ser um castelo no ar. Em Paris, e especialmente em Londres, sua proposta foi interpretada como uma tentativa de subjugar a Europa as imposições de Berlim. O alargamento da União Europeia em direção a Europa oriental tornou-se uma espada de dois gumes. Isso trouxe não somente expansão do mercado interno, mas também luta política e instabilidade.

Em 2003, os Estados Unidos atacaram o Iraque, dividindo a Europa. Enquanto os governos inglês e polonês apoiaram completamente a guerra, o alemão e o francês se opuseram. A administração americana usou o conflito para abrir uma cunha entre a "velha" e a "nova" Europa.

A constituição europeia, que restou da concepção de Fischer, fracassou em 2005 nas mãos dos eleitores franceses e holandeses, que a interpretaram corretamente como uma tentativa de subordinar os povos da Europa aos ditames dos mais poderosos interesses financeiros e econômicos. Depois de um cabo de guerra diplomático e político que durou diversos anos, a estrutura básica da constituição europeia veio a surgir na forma do Tratado de Lisboa. Mas nessa época, Berlim e Paris tinham em grande parte perdido o interesse. Isso foi demonstrado na reunião de duas novas posições chaves - o presidente do conselho e o ministro europeu do exterior - de figuras secundárias sem nenhuma autoridade.

Com a chegada ao poder de Nicolas Sarkozy e Angela Merkel, França e Alemanha voltaram novamente a uma política externa mais independente, com uma forte ênfase em direção aos Estados Unidos. Em 2005, o chanceler alemão Gerhard Schroder (Partido Social Democrata) tinha deixado o escritório prematuramente, entre outras coisas porque sua orientação política externa em direção a Rússia tinha levado a seu crescente isolamento. Mas a esperança de que Washington responderia com crescente preocupação pelos interesses europeus permanecia não realizada, mesmo depois da mudança do presidente George W. Bush para Barack Obama.

A crise econômica e financeira internacional trouxe todas as contradições domésticas e de política externa europeia a superfície. No conflito entre os Estados Unidos e a China, que domina cada vez mais o cenário mundial, a Europa está sendo empurrada para a margem e dividida.

Os governos alemão e francês estão amargos porque Washington decidiu por uma maciça expansão da guerra do Afeganistão sem uma prévia consulta a OTAN e seus aliados. Por um lado, eles não queriam deixar uma região estrategicamente importante para a influência exclusiva dos Estados Unidos; por outro lado, eles temiam que com o agravamento da guerra eles pudessem se tornar meros agentes dos Estados Unidos. O fracasso da cúpula de mudança climática de Copenhague, que a Europa coloca na porta dos governos americano e chinês, causou mais raiva. A crise econômica colocou a nu a fraqueza inerente da economia europeia. Os enormes déficits de orçamento da Grécia, Irlanda, Itália, Portugal e Espanha ameaçam quebrar o euro. Até agora, a moeda comum tem evitado uma maciça desvalorização e o acompanhamento de um surto de inflação, mas o alto valor do euro, acoplado com altas taxas de juros, torna impossível para os países da eurozona superar a crise na base do livre mercado. Bruxelas tem respondido pedindo cortes draconianos nos gastos dos governos, particularmente no setor social.

Grã Bretanha, que não é membro da eurozona, está se tornando o homem doente da Europa. Sua economia é pesadamente dependente do setor financeiro. Nos últimos dez anos, o número de empregos fabris no Reino Unido declinou em 30 por cento. No mesmo período na Alemanha e na França, o declínio foi bem menor, de 5 e 10 por cento respectivamente. Para recuperar o setor financeiro do colapso, o governo britânico tem adquirido débitos em larga escala. O valor da libra tem caído igualmente. Uma outra crise bancária elevaria rapidamente o espectro da inadimplência de seu débito soberano.

Para a Alemanha, e, em menor extensão, a França, o fortalecimento econômico delas tem se provado ser o seu calcanhar de Aquiles. A produção industrial na Alemanha, como um percentual do produto interno bruto alemão, é mais de duas vezes a cifra dos Estados Unidos. A pujança relativa da produção industrial alemã está restrita a um crescimento nas exportações alemãs. Nos últimos 20 anos, a produção da Alemanha para exportação aumentou de cerca de 20 por cento para 47 por cento do PIB. Mesmo a conta de exportações da China cresceu somente 36 por cento do seu PIB.

Essa grande dependência das exportações industriais tem tornado a Alemanha especialmente vulnerável ao impacto da crise econômica internacional. No ano passado, a produção econômica declinou para 5,3 por cento. A engenharia de produção está atualmente funcionando somente com 70 por cento da capacidade, e de acordo com especialistas, os prospectos de melhora são escassos.

A indústria de exportação alemã está sob grande pressão tanto da China como dos EUA. Os Estados Unidos tem explorado o dólar baixo e seus baixos níveis de salários, estabelecidos com a força bruta como parte da reorganização da indústria de automóveis dos Estados Unidos, para ganhar uma vantagem competitiva contra os competidores europeus. Simbólico a esse respeito foi a mudança parcial da produção do Mercedes S-Class da Alemanha para os Estados Unidos. De sua parte, a China agora está se introduzindo em segmentos de mercado que uma vez foram reserva dos alemães, devido a seus altos padrões de qualidade.

As elites europeia e alemã estão reagindo aos crescentes problemas e contradições como fizeram no começo do último século: com ataques sociais e políticos sobre a classe trabalhadora e com crescente militarismo.

Muitos governos parecem paralisados, dados os crescentes problemas de política externa e conflitos internos. O governo democrata livre em Berlim sucumbiu as disputas internas desde que assumiu o gabinete em novembro. A chanceler Merkel tem sido acusada por todos os lados de falta de determinação e fraca liderança. Mas nos bastidores, há uma intensa busca por novos mecanismos de decisão para facilitar a mudança das consequências da crise econômica sobre a classe trabalhadora, os métodos do compromisso social tendo sido amplamente esgotados.

É nesse contexto que o assalto em andamento aos direitos democráticos está sendo intensificado, em parte através da fomentação do medo do terrorismo e da alimentação do ressentimento contra os muçulmanos. Entre aqueles na vanguarda dos esforços reacionários estão o Social Democrata Alemão Thilo Sarrazin e o ex-político e atual Ministro da Imigração da França Eric Besson. O referendo suíço contra a construção dos minaretes foi seguido atentamente e com simpatia por estes círculos. Tais medidas representam uma tentativa de desviar a atenção das questões de classe e mobilizar as camadas da extrema direita da classe média para serem acionadas em algum momento contra a classe trabalhadora.

Pessoas trabalhadoras têm de tirar suas próprias conclusões do fracasso dos planos da burguesia europeia. Os trabalhadores europeus têm de se unir a fim de defender seus próprios interesses políticos e sociais. Eles têm de lutar por uma Europa socialista, sob a bandeira dos planos dos burgueses europeus dos Estados Socialistas Unidos da Europa. Os trabalhadores europeus têm de se unir a fim de defender seus próprios interesses políticos e sociais. Eles têm de lutar por uma Europa socialista, sob a bandeira dos Estados Socialistas Unidos da Europa.

Peter Schwarz é um colaborador frequente do Global Research.

Nota: Toda a Europa está sendo reformada nos moldes socialistas pretendidos por Karl Marx, o que antes foi tentado através das armas dos revolucionários, hoje está sendo completado pela integração política e econômica. E o resultado está sendo semelhante ao da extinta União Soviética, o fracasso.


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